segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Esquecimento da Política por Adauto Novaes

Apresentação: Adauto Novaes
Texto extraído do Portal MinC - Programa Cultura e Pensamento




Vivemos um momento de incerteza e desordem. Em qualquer domínio da atividade humana - esferas do saber e do poder, costumes, mentalidades, sensibilidade ética, valores - notamos transformações sem precedentes. A política é parte dessas mutações e desse caos. Já se disse que a imagem de um caos é um caos, e que, ao voltarmos o olhar para essa imagem, muitas vezes nossa reflexão tende a tornar-se mais perturbadora ainda. O olhar corre o risco de perder-se, ao concentrar o trabalho do pensamento nessa coisa, ao mesmo tempo brilhante e obscura, que é a imagem do esquecimento. Se a política é hoje um dos objetos privilegiados do esquecimento, é preciso ir às origens desse esquecimento para depois chegar à coisa esquecida.

Uma das formas do esquecimento da política está na ausência de conceitos que, até pouco tempo, serviam de pontos de referência para a prática. Esse saber teórico, que procurava dar conta da idéia de totalidade que a política pede, decompõe-se hoje em ‘teorias' parciais, voláteis e puramente instrumentais.

Para falar de esquecimento da política em um mundo dominado pela tecnociência, temos duas possibilidades: as conseqüências negativas que podem ser traduzidas pela perda dos fundamentos políticos, isto é, daquilo que a filosofia recriou ao longo da história como resposta às interrogações levantadas pelo advento do social e que permitiram desvelar, em suas várias dimensões, mesmo as mais ocultas, as formas de dominação; a outra possibilidade pode ser o elogio do esquecimento, isto é, a abertura para esquecer aquilo que, sendo apenas parte da vida social, procura pôr-se no lugar da política de maneira totalizante, escandalosa e inconseqüente busca da hegemonia de uma das variantes da vida social sobre a política: a economia, a privatização da vida pública, a religião, o moralismo e a eficiência técnica - que levam ao desinteresse por qualquer forma da teoria crítica. Os utopistas de ontem foram substituídos pelos especialista de hoje: não disputamos mais os fins políticos, discutimos, sim, os meios e esses são técnicos, diz Francis Wolff.

Uma das variantes mais fortes do esquecimento da política consiste na prática dos meios de comunicação que detêm hoje um poder até então desconhecido, não apenas na interpretação dos fenômenos e na espetacularização da política, mas principalmente na criação daquilo que se pode designar como a era dos fatos. À força da ideologia os fatos correm à deriva e na contramão das utopias e, na maioria das vezes, contra os ideais políticos. Longe de caracterizar nossa época como a do ocaso das ideologias, ela pode ser definida como a troca dos conceitos políticos pelos fatos que dificilmente são contestados porque os argumentos racionais são abolidos. Eles fogem assim a toda determinação.

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